quinta-feira, 7 de abril de 2011

"Retrato de Camelo"

Com 'Toque Dela', seu segundo e novo disco solo, Marcelo Camelo abre temporada de shows até outubro

O timão da criação artística para ser verdadeiro deve ser guiado exclusivamente pela sinceridade do peito. Sabedor disso, o cantor, compositor e multi-instrumentista autodidata Marcelo Camelo lança hoje, nacionalmente, Toque Dela, seu segundo disco em carreira solo. Três anos depois de Sou, concebido após o recesso por tempo indeterminado do Los Hermanos, o músico se apresenta no fim do mês em São Paulo e já tem shows agendados até outubro por diversas capitais brasileiras, incluindo o Rock in Rio, em outubro.
Morando em São Paulo, Camelo continua indo com frequência ao Rio, onde recebeu o Estado em uma tarde nublada e chuvosa aos pés do morro da Urca, para falar sobre o novo trabalho.


Cordato, aceitou os pedidos de fotos e de fazer uma dedicatória aos donos do bar, dando dicas aos descendentes de portugueses, como ele, de como conseguir a cidadania lusitana. Entre poucos copos de cerveja e alguns cigarros, Camelo falou das opções estéticas do novo álbum - que nesta semana caiu na internet -, sobre ter tocado diversos instrumentos nas gravações, da nova participação dos competentes paulistanos do Hurtmold, da troca de ideia com sua namorada, a cantora e compositora Mallu Magalhães, de projetos como a Orquestra YouTube e Os Imprevisíveis e do modelo ainda controverso de se comercializar música pela internet.


Que reação você teve ao ver que o Toque Dela vazou na internet, na segunda-feira?


Eu sabia que no primeiro dia que o disco estivesse na loja uma pessoa ia botar pra downlodear. O meu questionamento para a gravadora, para os meus empresários, para as pessoas que trabalham comigo, que têm interesse comercial direto naquilo que estou fazendo é: por que não somos nós as pessoas a colocarem o disco no nosso site pra que a pessoa vá lá e não baixe de um outro link? Já que a gente admite que vão baixar, por que nós não fornecemos essa informação?


Mas acha que deveria ser?


Eu acho, cara. A gente deveria fornecer essa informação. Se a lógica se apresenta assim, que todo mundo vai baixar de graça, que baixe da gente. Sou totalmente progressista. Eu queria uma solução, que o mercado propiciasse para eu fazer meu disco sendo pago diretamente pelo cara que faz o download.


Na continuação da entrevista, Marcelo Camelo fala, entre diversos assuntos, sobre as mudanças na indústria fonográfica, de seu processo de criação e de sua adaptação a São Paulo.


Recentemente, o Bon Jovi declarou que o Steve Jobs matou a indústria fonográfica. Como encara isso, vindo de um cara que formou você musicalmente?


A conta geral do artista é falida atualmente, por isso essa discussão toda da Lei Rouanet, quem é que vai financiar. A figura do artista está muito aviltada. A vida melhorou muito pra nós. Sob esse aspecto, é muito feio falar mal da internet, soa retrógrado, reacionário. Não quero falar mal da internet, de jeito nenhum, acho uma coisa superimportante, mas não se pode esconder o fato de que na mesma medida em que a informação se democratizou, o dinheiro se concentrou. As pessoas buscam na arte um tipo de excitação fugaz, isso não condiz com o artista que se aprofunda nas suas pesquisas. É uma pergunta para a qual eu não tenho resposta. O papel do artista está na mão da sociedade. Consomem a arte que nem gafanhoto. Você acha que o Vampire Weekend vai durar mais quantos anos? O cara que falsifica a carteirinha de estudante é o mesmo cara que baixa o disco de graça, que acha um absurdo a Lei Rouanet, que olha pra mim e fala: pô, mas você não tem apartamento próprio? Que roupa é essa? Além de tudo me cobra uma compostura, uma liturgia do cargo. Dá vontade de falar: que cargo, malandro? Eu estou aqui que nem um padeiro, filho da p..., pra fazer a coisa fermentar e virar essa parada que e estou te mostrando, tu não quer pagar pela parada e ainda tem uma visão czariana, meio gosto, não gosto (polegar pra cima e para baixo).


Falando do seu processo de composição, no Los Hermanos vocês iam para o sítio. No Sou você se isolou em um apartamento no Leblon. E com Toque Dela, houve esse isolamento?


Foi isolado em São Paulo. Minha condição primordial é estar isolado em algum lugar. Em São Paulo, pra este trabalho, eu estava isolado da minha família, da minha cidade, das minhas referências evidentes, da umidade da cidade. Eu vinha fazendo a turnê do Sou e uma hora me enchi do show, já tinha rodado todas as capitais, Interrompi a turnê em agosto de 2009 e fiquei um tempo de bobeira, sem fazer nada, pra deixar que as ideias surgissem. Quando acho que tenho um grupo de ideias forte o suficiente para um disco, começo a trabalhar no repertório. Esse período em que fiquei aqui no Rio, sem fazer nada, era um período de remanso em resposta a tudo aquilo que eu vinha vivendo.


Você chegou a dizer que em Toque Dela pretendia fazer algo mais pulsante do que foi o Sou? Acha que conseguiu?


Não sei, cara. O Sou é muito introspectivo. Quis fazer um disco naquele jeito, foi um propósito estranho, inconsciente, mas a intenção era fazer um disco de contracultura em certo sentido, contra aquela linguagem vigente, que de alguma forma eu continuo fazendo, mas sob um signo de um outro lugar. Quando mostrei o disco pro meu pai, ele falou: não é aquele disco que você estava achando que era. Eu disse: Como assim? O disco é uma coisa pra cima, animada. Ele me ligou semanas depois e falou: você tem razão, é muito mais pra cima do que o outro. Não sei, cara, tudo o que faço carrega muitos lados. Por mais que eu tente... ah, vou fazer exatamente isso, nunca consigo.


Toque Dela também foi regido pelo acaso, então?


É, cara. É uma deficiência de planejamento, na verdade. Não consigo mirar uma parada e dizer: daqui a um ano vou lançar este disco certinho na minha cabeça. E passar um ano inteiro sem que essa ideia se modifique a partir daquilo que estou fazendo. Eu faço uma parada, ouço e digo: pô, não é bem isso... a outra música já sai meio diferente... aí eu tento um outro arranjo, eu erro muito ao longo do caminho.


E em relação aos arranjos?


O meu caminho estético, se eu pudesse adiantar alguma coisa sobre o próximo disco, é fazer menos ainda, sabe? O meu apelido na infância era mulambinho. Mulambo é o orixá do lixo, né... Eu acho o disco ainda um pouco lapidado demais, queria fazer mais ainda. Sem lapidação, mas que ainda assim tenha uma força bonita...


E a escolha de ter tocado vários instrumentos?


Quando fiz o primeiro disco com o Hurtmold, fui até eles pela sonoridade. Tem uma coisa dos sons dos instrumentos se misturarem um no outro. É quase a vocação do Hurtmold. Neste disco eu queria uma estética diversa daquela feita no primeiro, queria que os instrumentos soassem um pouco mais estanques um do outro. Uma coisa meio Beatles, saca?


E as gravadas com o Hurtmold, o que tiveram de diferente em relação ao Sou? Foram gravadas em canais separados?


Isso mesmo. No primeiro disco tinha sido ao vivo, neste foi em canais separados. E desta vez usei o clique (metrônomo, marcando o andamento), o outro não tinha. E tem uma aferição estética surpreendente, cara, é muito impressionante a diferença que faz.


Seus projetos mais experimentais, como Os Imprevisíveis e a Orquestra YouTube, ajudaram ou atrapalharam?


Toque Dela é bem melodioso. Os Imprevisíveis e a Orquestra YouTube funcionam quase como um contraponto opositor. Quando você consegue empreender uma parada tipo Os Imprevisíveis ou a Orquestra YouTube, você fica mais amigo das melodias bonitas, sabe? Menos refratário... Porque você já deu vazão à busca pelo esquisito ou pela assimetria. A Orquestra YouTube e Os Imprevisíveis me ajudam na minha cognição.


E a parceria com o André Dahmer? Como surgiu?


Ele cantou a música e eu fiquei emocionado. Ele é quadrinista, faz o Malvados. Nunca imaginei que ele faria isso.


Você dialoga muito sobre as composições com sua namorada (a cantora e compositora Mallu Magalhães)?


Ela gosta muito, é muito fã, muito coruja. Somos muito coruja um com o outro, por isso não servimos muito de crítico um do outro. É muito difícil ela chegar pra mim e dizer: essa melodia aí não é legal... É mais fácil a Lucinha, minha empregada, passar varrendo e dizer: essa música é minha preferida. E eu deixar a música no disco do que a Mallu falar: esse acorde não tá legal. A gente é muito genioso, orgulhoso, talvez, não sei qual seria a palavra. A arte é uma manifestação do inconsciente muito individual, você se relaciona com o seu íntimo. Talvez seja das coisas mais difíceis de compartilhar, por isso tenho dificuldade em fazer parceria. No caso da Mallu, a gente é tão amalgamado. Muda o lugar pra onde a gente vê o mundo. É um disco que fiz enquanto estava com ela, isso por si só já é uma influência absurda.


Está adaptado a São Paulo?

Cara, não. Não me sinto planejando uma vida em São Paulo, mas também não me sinto no Rio. Não consigo me ver em perspectiva, em nenhuma delas. Em São Paulo, gosto das pessoas, de tocar minha vida, mas acho a cidade pouco prazerosa.


MARCELO CAMELO
Sesc Pompeia. Choperia. Rua Clélia, 93, telefone 3871-7700.
De 28 a 30/4, às 21h30.
Ingressos de R$ 5 a R$ 20.

(Lucas Nobile / RIO - O Estado de S.Paulo)

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