E, se é para citar estatísticas, convenhamos, não há por que economizar. Zezé e Luciano ostentam na estante dois Grammys latinos, um como Melhor Álbum de Música Sertaneja (2004) e outro na categoria de Melhor Álbum de Música Romântica (2005). Ainda em 2004 levaram prêmio como Melhor Dupla da ABL (sim, a Academia Brasileira de Letras!). Também se orgulham pela conquista de dois troféus na categoria de Melhor Dupla de Canção Popular, do Prêmio Tim de Música (2006 e 2007). Em 2009 e 2010, mais dois troféus com a mesma categoria no prêmio que mudou de nome, agora atende por Prêmio da Música Brasileira. E, longe de parecer demagogia, Zezé não se cansa de exaltar que “o maior prêmio não são as estatuetas acumuladas, e sim o carinho e a retribuição do público”.
Não lhe faltam motivos para tanto. Em pesquisa encomendada pelo Instituto da Cidadania e pela Fundação Perseu Abramo em 2004 para traçar o perfil da juventude brasileira, Zezé e Luciano foram apontados como os “artistas preferidos” dos entrevistados entre 15 e 24 anos. Não deixa de ser curioso pensar que, àquela altura, com 13 anos de carreira, toda uma geração cresceu ao som de “É o Amor”. Esse reflexo indica que além de manter um grande público desde o início de carreira, a dupla vem seduzindo novos fãs a cada ano.
A saga dos “2 Filhos de Francisco”
Camargo e Camarguinho: foi assim que começou
Fã de Tonico e Tinoco, seu Francisco, um lavrador de Pirenópolis, cidadezinha do interior de Goiás, acalentava um sonho: ter dois filhos homens que pudessem formar uma dupla sertaneja. Quando nasceu Mirosmar José, o primogênito da família Camargo, cobrou da mulher, dona Helena: “Agora precisamos da segunda voz.." Um ano depois nascia Emival, o parceiro que faltava.
Sim, você já viu esse filme em algum lugar, mas falemos desse assunto mais adiante.
Quando Zezé, o filho mais velho, completou três anos, ganhou do pai uma gaitinha. Mais tarde, com o dinheiro que vinha da lavoura, seu Francisco comprou uma sanfona e um cavaquinho para os filhos, que àquela altura já formavam a dupla Camargo e Camarguinho. "Como eles tinham vergonha, eu dava dinheiro escondido para os outros pagarem os dois depois que cantassem. Era para incentivar", relembra seu Francisco. A dupla-mirim se apresentava em circos e rodoviárias.
Em 74, a família foi para Goiânia, abrigando-se num barraco de dois cômodos. A dupla Camargo e Camarguinho, que tocava canções de Tonico e Tinoco e de outras duplas da época, vez ou outra ganhava a estrada para se apresentar no interior do país. E foi numa dessas viagens, na volta de Imperatriz, no Maranhão, que um acidente de carro tirou a vida de Emival, com 11 anos.
"Éramos os irmãos mais ligados. Fiquei traumatizado por um ano", revela Zezé. Aos 13 anos trabalhava como office-boy. Aos 15, recuperado da fatalidade, já era o Zé Neto do trio Os Caçulas do Brasil, com quem chegou a gravar um disco. Em 79 formou parceria com um amigo de Goiânia, remanescente do trio. A carreira da dupla Zazá e Zezé, que teve boa expressão em Goiás e no Mato Grosso, deu origem a três LPs. Mas não vingou porque Zazá tinha planos regionais. Zezé queria ganhar o país.
Em 1987, Zezé partiu para São Paulo, em busca de carreira solo. Gravou dois discos pelo selo Três M, já extinto (hoje esses trabalhos pertencem à Continental). Por essa época, algumas de suas composições já eram sucesso nas vozes de duplas consagradas, como Chitãozinho e Xororó. "Apresentei ‘Solidão’ ao Leonardo, mas achava que ela deveria ser gravada pelo Amado Batista. Mas o Léo gostava muito da canção. Fez um playback sem me avisar. Só contou quando já tinha decidido gravá-la", lembra Zezé. A música acabou estourando nas vozes de Leandro e Leonardo.
Luciano entra em cena
Apesar das composições bem-sucedidas, o filho mais velho de seu Francisco queria mesmo era emplacar como cantor. Welson David, irmão 10 anos mais novo, imaginava que Zezé estivesse fazendo sucesso em São Paulo. "Vi você no programa do Bolinha", ligava, orgulhoso. Luciano nem desconfiava que quem segurava as pontas - e as contas - na casa de Zezé era, muitas vezes, Zilú, sua mulher.
Welson trabalhava como office-boy em Goiânia, mas já começava a soltar a voz. "Ele cantava no clube da Caixego (Caixa Econômica de Goiás, onde era funcionário), recorda-se dona Helena. No Natal de 1989, o mano mais velho foi visitar a família em Goiânia. Welson aproveitou para mostrar o que havia aprendido. "Vi que ele tinha tino para a coisa", lembra Zezé. "Comentei com a Zilú e ela deu a maior força, afinal era meu irmão, novinho, boa pinta e sem vícios." Zezé precisava mesmo encontrar um parceiro. Ele estudava propostas de algumas gravadoras, que só fechariam contrato se o cantor formasse novamente uma dupla.
E assim foi feito. Ensaia daqui, ensaia de lá, Zezé posou de maestro até ganhar o timbre certo de sua outra metade. Na hora de escolher o nome da dupla, a questão era: o que combinaria melhor com Zezé Di Camargo. "Que tal Lucian?", arriscou Zezé. "Por que não Luciano?", sugeriu Welson. Fechado. E assinaram contrato com a gravadora Copacabana.
Com o repertório definido e faltando um dia para a dupla entrar em estúdio, Zezé teve um estalo e compôs, de supetão, "É o Amor". Insistiu com os executivos da gravadora e conseguiu incluir a faixa no LP. Antes mesmo de o disco sair, foi o próprio Zezé Di Camargo quem deixou uma fita com "É o Amor" na rádio Terra de Goiânia. Seu Francisco, sempre incentivador, comprava 500 fichas telefônicas por semana e as espalhava pela vizinhança. Pedia que ligassem para a rádio e solicitassem a música que seus meninos haviam acabado de gravar. Funcionou: em 15 dias "É o Amor" era a mais pedida da cidade.
A conquista do Brasil
Foi em 19 abril de 1991 que Zezé Di Camargo e Luciano lançaram seu primeiro disco. Em dois meses "É o Amor" alçava seus intérpretes ao primeiro lugar no hit parade. Em seis meses o CD de estréia dos cantores ganhava disco de platina duplo por 750 mil cópias. Em pouco mais de um ano atingia a casa de 1 milhão de cópias.
Veio o segundo disco e 1,3 milhão em vendas; o terceiro, e mais 1,52 milhão; o quarto somou 1,6 milhão; o quinto, 1,7 milhão; o sexto rendeu 1,8 milhão, o sétimo, 1,85 milhão e o oitavo chegou a 1,9 milhão. Mal acostumados, no melhor sentido, os dois nunca mais abandonaram a casa do milhão. No dia 19 de abril de 2000, saiu o 1º CD ao vivo, duplo, com os grandes sucessos da carreira: 1,7 milhão de cópias vendidas. Isso sem falar nos álbuns em língua castelhana, lançados em 94 e 2002. Prestes a completar 20 anos de carreira e com a marca de 30 milhões de cópias, eles também apresentam três DVDs, que estão na lista dos mais vendidos do Brasil. Vale ressaltar que em 2009, a dupla se destacou como o segundo CD mais vendido do Brasil, com 450 mil exemplares. Em tempo: “Double Face”, atual álbum, figura em segundo lugar na lista dos mais vendidos do país. Lançado há quatro meses, já ultrapassou a marca de 100 mil cópias vendidas, trunfo inédito para os dias atuais, em que a pirataria toma conta de um mercado às voltas também com a “mordomia” da Internet, que propicia formas de adquirir músicas sem custos ou ir às lojas.
Do palco para a telona
Parecia óbvio que a vida de Zezé Di Camargo e Luciano rendesse um filme. Enredo para tanto a vida real já havia traçado. O acaso se encarregou de dar a esse script o melhor destino possível. Ao ler numa entrevista que só faltava um filme na vida da dupla, Taís, fã incondicional, propôs ao pai Wilson Cabral que encampasse a idéia. Diretor da Columbia Home Vídeo, Cabral procurou a gravadora Sony Music. A Sony então levou o projeto à dupla e Luciano sugeriu o renomado time da Conspiração para produzir o longa.
Disposto a fazer seu primeiro longa-metragem, Breno Silveira abraçou a causa. “2 Filhos de Francisco” fez cair o queixo de muitos críticos e, em especial, da patrulha que sempre tratou o gênero sertanejo e romântico com desdém. E mesmo Zezé Di Camargo e Luciano, embora habituados aos milhões, espantaram-se com os 5,6 milhões de espectadores que fizeram do título o filme brasileiro mais visto nos cinemas em 2005. Bateu blockbusters como “Harry Potter e o Cálice de Fogo”, “Os Incríveis”, “Madagascar”, “Batman Begins” e “Star Wars – Episódio 3”. Soma-se a esse mérito a indicação para representar o Brasil como pré-candidato ao Oscar na categoria de ‘Melhor Filme Estrangeiro’. Não foi escalado para o time dos cinco finalistas escolhidos pela Academia, em compensação entrou para o Guiness World Records como o filme que conseguiu reunir em uma única sessão o maior número de espectadores ao ar livre. A exibição aconteceu na véspera do aniversário da cidade de São Paulo, dia 24 de janeiro de 2006. O recorde foi batido na Estação da Luz, no centro da capital paulista.
“ Já é um sonho ver a nossa história retratada no cinema, quanto mais quebrar o recorde mundial de maior exibição pública de um filme. Sou extremamente grato a Deus por nos ter abençoado, ao nosso pai, responsável por aquele ‘empurrãozinho’, e aos nossos fãs. Afinal, não há show nem música sem platéia", declarou então Zezé Di Camargo.
Com uma platéia de cerca de 18 mil pessoas, segundo a Polícia Militar (ou de 20 mil pessoas, segundo os organizadores), a exibição ocorreu em cinco telões montados na centenária estação de trens, antes do show da dupla em homenagem aos 452 anos de São Paulo. O recorde anterior registrado pelo Guinness aconteceu em 1998, quando 10 mil pessoas se reuniram no Battersea Park, em Londres, para assistir ao filme "Quinto Elemento”.
Em dezembro de 2005, com o lançamento do DVD de “2 Filhos de Francisco”, mais um recorde atingido: 600 mil cópias vendidas. Estatísticas à parte, a dupla é mais do que líder no mercado fonográfico e se consagrou _ por crítica e público_ no território cinematográfico.
Diz-se que na vida é preciso plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Bem, eles têm canções, filme, mais de um filho e de uma árvore plantada. Tem ainda, a trajetória dos dois no livro “Simplesmente Helena”, lançado após o sucesso do longa, com gosto de cenas dos próximos capítulos. Não de novo. Não sob o mesmo olhar do pai Francisco, mas com o foco sempre alerta de dona Helena. Se vale como prenúncio da diferença entre os modos de pai e mãe traduzirem suas crias, convém citar o roteiro de “2 Filhos de Francisco”: “Eu não entendo de sonho, Francisco. Foi acordada que eu criei essas crianças”, falava a mãe em cena.
São formas e formas de cantar e contar o que os números traduzem como sucesso desses meninos de Goiás.
(Arleyde Caldi - MTB 23331)